Lisboa tem solução!



Regressando entusiasmado de Paris à "confusão" lisboeta, permita-me o desabafo: Lisboa tem de ter solução!
 
Se Paris, cidade dos milhões, resolveu os seus problemas urbanos, é uma cidade clara e alegre, onde dá gosto passear e viver, naturalmente que Lisboa, cidade muito mais pequena, tem que ter solução!
E penso que seria simples. Bastaria desburocratizar a Câmara Municipal e que fosse cumprido o novo Plano Director Municipal, para que a "luz", a qualidade e a imaginação voltassem a Lisboa. Se, em Paris, um projecto leva dois a quatro meses a ser aprovado, porque não em Lisboa?
Enquanto, em Lisboa, um projecto levar um, dois, três e mesmo quatro anos para ser aprovado ou arquivado, resultará que, compreensivelmente, quem pretenda fazer algo na Capital, mesmo que seja uma pequena alteração, não procure quem lhe possa fazer trabalho - com mais competência e qualidade -, mas, naturalmente procure é quem lhe consiga aprovar o seu projecto o mais rapidamente possível!  
Dir-me-ão que não será bem assim.
Para bem da cidade e de todos nós, um projecto para ser aprovado tem, necessariamente, que ser analisado em todas as suas implicações, pelo que terá sempre que passar por todos os departamentos, comissões e direcções criadas para o efeito e isso leva tempo... Adiantarão que é necessário controlar os patos-bravos e o mau gosto dos novos-ricos e emigrantes, concluindo que há que defender a cidade das especulações imobiliárias e isso leva tempo...
O resultado está à vista, os factos demonstram, exactamente, o contrário!
Lisboa tornou-se uma cidade cinzenta, monótona, densa, saturada, caótica, o que se vai reflectindo na degradação crescente da qualidade de vida dos lisboetas.
Os lisboetas vão assim vivendo num crescente absurdo e numa grande incoerência!
O extraordinário desenvolvimento tecnológico, o tão livre e amplo acesso ao conhecimento do bom e do mau que se passa no mundo, bem como a promoção e divulgação de debates públicos do que será melhor para Lisboa, na prática, na realidade, não têm resultado num efectivo melhoramento do dia-a-dia dos lisboetas! Pelo contrário, por entre belas retóricas, planos e promessas, Lisboa está cada vez mais poluída, saturada, ruidosa, insegura!
Mas se observarmos onde esta pesada burocracia camarária não se faz tanto sentir - por exemplo, no comércio, no arranjo e decorações das lojas -, a qualidade, a originalidade e o bom gosto (que não significa luxo ou ser caro) tem vindo, espectacularmente, a subir.
O comerciante, como não está condicionado a uma "vigilância" tão apertada, escolhe quem lhe arranja e decora loja pela sua competência, e não por ser "despachado" nos "labirintos" camarários. 
Assim, se como em Paris um projecto levasse apenas dois a quatro meses a ser aprovado, estou certo de que a qualidade renasceria. Lisboa voltaria a ser uma "cidade onde dá gosto viver, trabalhar e investir".
“É que, os temidos “patos-bravos”, “novos-ricos” e emigrantes, ao contrário do que se apregoa, apenas pretendem, como nós, a optimização do seu investimento, pelo que quando souberam que, independentemente da cor ou do nome, um projecto leva no máximo quatro meses a ser apreciado, começarão, naturalmente, a procurar quem é mais competente e não o mais "despachado".
Sabem como nós que, para venderem o seu terreno, edifício ou andar (na saudável, mas forte, concorrência que aparecerá com este encurtamento de prazos) têm que fazer melhor e com mais qualidade, que o seu vizinho!
Deixará de interessar a quantidade mas a qualidade!
E mesmo que, pontualmente, apareçam maus projectos, de gosto discutível, mesmo incomodativos, se o conjunto urbano onde se inserem for variado e rico, estas "excentricidades" serão absorvidas pelo ambiente de qualidade em que se integram.
Veja-se o exemplo das lojas dos Centros Comerciais, onde, embora todas diferentes e algumas mesmo antagónicas, é difícil apontar uma que seja feia, desequilibrada, "fora do contexto".
A qualidade é norma, porque sabem que se a não tiverem não vendem, desaparecem no mundo da concorrência...
Paralelamente, a desburocratização camarária motivaria, incentivaria, mais construções e o aparecimento de mais e melhor oferta de habitações.
Como se referiu, aumentando a oferta da construção, aumentava a concorrência e, consequentemente, a diminuição do seu preço e o aumento da sua qualidade (um telemóvel ou computador custa metade hoje do que custava ontem, porque, embora melhor e mais sofisticado, vive na concorrência e começa a existir mais oferta que procura).
E assim, de forma simples e natural, contribuía-se para resolver o problema da habitação em Lisboa "a preços competitivos", sem necessidade de mais "donativos" da Câmara Municipal ou Governo, o que representaria uma mais economia de uns largos milhões de contos... Mas como já referi noutros artigos, o respeito pela cidade e as suas memórias não poderá significar que se vá "imitar o antigo".
Será esse repto aos novos arquitectos que surgirão com a desburocratização camarária. "Sem complexos de originalidade, que projectem actual, tirando o máximo partido do verdadeiro progresso, das novas tecnologias e materiais, mas sempre respeitando a cidade, a sua escala humana e a sua população".
Como diz o Prof. António Lamas, "Há necessidade de criar bons exemplos, motivar a criação de património em todas as gerações, estimular alternativas, deixar legado aos nossos filhos".
Como proprietário, arquitecto e trabalhando na zona ribeirinha da Av. 24 de Julho / Aterro da Boavista, penso que seria uma óptima zona para "testar" o proposto. Zona histórica de Lisboa, em revoltante estado de abandono e degradação, crescente foco de toxicodependentes e de insegurança, há longos anos que me venho esforçando para que seja aprovado um plano que, efectivamente, a valorize, o que passa, necessariamente, pela preservação das características genuínas.
Para isso bastava que a actual Presidência da Câmara Municipal de Lisboa mandasse arquivar (como fez e bem, para o Martim Moniz, a demonstrar coragem e sentido de Estado) o "cinzento" e preocupante plano que mais de quatro (!) anos está "em curso" para a zona e que, como há anos se tem vindo a alertar, se fosse concretizado, não só iria destruir esta zona como prejudicar fortemente os bairros históricos envolventes - Madragoa, S. Bento, Poço dos Negros, S. Paulo, Santa Catarina...
Depois, que permitisse, com as mesmas áreas de construção e sem mais encargos para a Câmara, que os seus principais interessados, aqueles que irão directamente sentir na pele o que de bom se fizer na zona - os seus proprietários e habitantes - apresentassem um plano simples, a ser concretizado com naturalidade, de forma faseada, caso a caso, lote a lote, e onde todos sentissem que, efectivamente, a sua qualidade de vida estava a melhorar. Em que a regra para a sua aprovação rápida, em três ou quatro meses, seria, simplesmente, o respeito pelo Plano Director Municipal. Isto é, na real e efectiva valorização da escala histórica e humana do sítio, no respeito pelas suas "memórias" industriais e na natural integração nas ruas e praças dos bairros tradicionais e seculares envolventes.
Os beneficiados seríamos todos nós e a própria Câmara, que poupava uns milhares de contos em mais projectos para este sítio e recebia uns milhões de contos de mais-valias. E permitam-me o optimismo, Lisboa começava a ter solução, com base numa nova e, finalmente, coerente dinâmica gestão camarária.


Publicação no Jornal "PÚBLICO - Local", 14 de Abril, 1996, pp.52