“Reabilitar Lisboa, será mesmo possível?"





No dia 17 de Dezembro 1994, o jornal PÚBLICO noticiava algumas propostas para a reabilitação das áreas históricas de Lisboa, adiantadas num congresso internacional sobre reabilitação urbana, realizado no Hotel Tivoli sob os auspícios do programa comunitário Ecos.

A solução, passaria pela posse administrativa dos andares vagos,  através  da intervenção coerciva da câmara municipal, e por uma maior ajuda financeira à cidade, a nível do Governo e da União Europeia.

A notícia  adiantava, que o município lisboeta já reabilitara 14% do total dos fogos degradados que correspondiam a cerca de três mil fogos e a uma despesa de 11 milhões de contos.

Ainda noticiava que, para 1995, o Governo tinha orçamentado para o efeito, mas para todo o país, 20 milhões de contos.

Pode assim concluir-se, através de uma regra de três simples, que, para reabilitar os restantes 86 por cento de fogos degradados em Lisboa, serão precisos 78 milhões de contos.

Ora como o Governo só orçamentou para o efeito 20 milhões (e para todo o País !), faltam entre 50 e 60 milhões de contos para a reabilitação (só) de Lisboa, o que, parecendo-me difícil a CE financiar este montante (ou pelo menos metade!), inviabilizaria a reabilitação de Lisboa, conforme  proposto no referido congresso!

Por outro lado, a ideia da posse coerciva, por parte da câmara, de mais andares e prédios, seria agravar ainda mais a sua já difícil gestão de um pesado património, em crescente decadência e que, como se sabe, a câmara tenta vender, por não ter meios para o manter e menos o restaurar!

Pelo exposto, para ser possível reabilitar, efectivamente, Lisboa, talvez continue actual o que propunha em 1990, quando se levantara, novamente, este problema:

 Soluções que preconizem mais encargos, seja para quem for, são difíceis de ter aceitação, perdem-se na burocracia, nos estudos dos prós e contras, desmotivam.

Para a solução rápida de um problema, há que haver interesse mútuo, contrapartidas, benefícios para todos os intervenientes, que neste caso seriam os inquilinos, os senhorios e, naturalmente, a própria Câmara e a cidade de Lisboa”.

Assim, propunha que, “como contrapartida de os senhorios restaurarem os seus prédios degradados e manterem os seus inquilinos, a câmara autorizasse a construção, em amansardado, de um, dois ou mesmo três pisos, consoante a situação.

“O resultado seria bom para todos. Para o senhorio, que desta forma arranjava fundos para as obras, via o seu prédio valorizado e com perspectivas de ter finalmente um bom rendimento, na venda ou aluguer dos novos andares; para o inquilino que sem despesas (e passadas as dores de cabeça das obras) viveria num prédio restaurado e em melhores condições de habitabilidade.

“Finalmente, seria bom para a Câmara, que via Lisboa a rejuvenescer, a voltar a ter cor, alegria e animação franca.

Com estas autorizações, a Câmara ainda poderia obter alguma receita, através das respectivas taxas de mais-valias, e menos um problema!”

E exemplificava “Para que o senhorio restaurasse o seu prédio, todo ocupado, de quatro pisos, com frente de 20 e profundidade de 15 metros, a câmara autorizava, aproveitando o sótão existente, a construção de mais dois pisos amansardados”.

“O que, tendo em consideração

   • área de implantação do prédio :                          20x15 =  300 m2

   • área a restaurar (4pisos) :                                  300x 4=1.200 m2

   • área a construir (2pisos amansardados):  300x0,8x2p =   480 m2

E considerando os seguintes valores aproximados:

   • obras de restauro – 40 contos / m2

   • construção nova – 80 contos / m2

   • taxa camarária de mais-valia – 10 contos / metro 2

   • preço de venda nas zonas históricas de Lisboa – 275 contos / m2

   • tempo de duração da obra – 1 ano

Obtinha-se os seguintes resultados:

   • encargos:

      - restauro – 1200x40 contos / m2 = 48.000 contos

      - amansardados – 480x80 contos / m2 = 38.400 contos

      - mais-valias camarárias – 480x10 contos / m2 = 4800 contos

      - encargos com empréstimos (91.200x13%) = 11.856 contos

      – total – 103.056 contos

   • receita / venda dos amansardados: 480x275 contos / m2 = 132.000 contos

   • saldo: (132.000-103.056) = 28.944 contos

   • percentagem sobre investimento – 28.944/103.056= 28%.”

Pelo exposto concluía:

"O senhorio recebia 28.944 contos (28 por cento sobre o capital investido num ano) e um prédio renovado; os inquilinos passavam a habitar num prédio limpo, restaurado e sem aumento de renda; a câmara beneficiava de uma mais-valia e, como disse, de menos um problema!

"Quem sairia prejudicado com esta solução? Os moradores do bairro, porque com o proposto mais se aumentava a densidade populacional da zona, já de sí saturada?"

Continuo a julgar que não. "Enquanto não se resolver o problema da descentralização do trabalho na Capital (assunto para outro apontamento), a procura de habitação em Lisboa e consequente aumento da sua densidade continuará, irreversivelmente, com todas as proibições, multas e clandestinos possíveis, a crescer!

"E continuará a verificar-se que, quanto mais degradados os prédios e os bairros estiverem, maior será o seu índice de habitantes por metro quadrado construído, e percebe-se porquê: são estes prédios, estas zonas, sem condições mínimas de habitabilidade e sanidade, que vão sendo ocupadas por camadas sucessivas de famílias que, por falta de recursos ou mínimo de exigências, vão assim sobrevivendo, se amontoam, criando submundos de promiscuidade, de revolta e de agressividade.

"Se estes prédios fossem recuperados e ocupados em condições mínimas de salubridade e higiene, o ambiente desanuviar-se-ia, os habitantes criariam outras exigências, seria bom para a vizinhança, seria bom para Lisboa.

"Quanto à questão de se propor a construção em amansardados, penso que só haveria nisso vantagens. Lisboa está cheia de amansardados, que dão vida à cidade e são orgulho dos seus moradores. Madrid, Paris, Roma, etc. mantêm as suas traças e riquezas, com a construção dos seus amansardados, que por vezes se compõem de três e mesmo quatro andares!

"Se forem bem estudados, são óptimas habitações, desafogados, com amplas vistas e muito sol, por isso muito procurados e valorizados.

"Se, finalmente, a contestação desta proposta for pelo facto de, com a construção destes amansardados, 'aparecerem' mais um ou dois carros por andar (em zonas já de si de difícil estacionamento), a solução será a de, quando do restauro do prédio, ser obrigatória a construção, em cave, de estacionamento ou se isso não for possível, o aproveitamento do piso térreo para o efeito, mesmo que os inquilinos do rés-do-chão tivessem que ser realojados num dos amansardados.

"Hoje em dia, a tecnologia permite executar com segurança, em prédios antigos, não só andares, como caves.

"Quando ao seu custo, sabendo-se que a venda de um estacionamento em garagem, numa zona histórica, vale sempre mais de 2.500 contos e tendo em atenção que a área média ocupada por um automóvel, incluindo área de circulação, é de 25 metros quadrados, conclui-se que, para um investimento de 1000 contos (25x40 contos/m2), obtém-se sempre uma mais valia de 100 por cento, isto é, valerá sempre a pena o investimento!

"Naturalmente, haverá casos onde o estacionamento não seja mesmo possível, mas são as excepções que confirmam a regra".

Para quando esta solução, já proposta em 1990, para reabilitar as áreas históricas de Lisboa e de que todos sairíamos beneficiados?

Ou, apenas continuar-se-ão a organizar colóquios cujas propostas já se sabe não serem exequíveis, à partida, por uma regra de três simples?





Publicação no Jornal "PÚBLICO - Local", 09 de Janeiro, 1995, pp.36