Quem vai destruindo o nosso património histórico é
quem continua a promover soluções irrealistas
Em 1990, sugeri que, para se
conseguir o auto financiamento necessário ao restauro dos prédios degradados –
mantendo os inquilinos e sem se continuar a aguardar susidios governamentais
que nunca mais vinham -, a Câmara de Lisboa autorizasse a construção de um ou
dois pisos amansardados. Seria uma alternativa à ideia pré estabelecida de que
este problema só se resolve com atitudes coercivas mais impostos e ajudas
governamentais.
Penso que soluções que
preconizem mais encargos, seja para quem for, são difíceis de terem aceitação.
Perdem-se na burocracia, no estudo dos prós e contras, desmotivam.
Para resolver rapidamente o
problema, com autorização dos amansardados, todos os intervenientes passariam a ser parte interessada: o
senhorio, que, mesmo que não tenha recursos próprios, poderia obter, no futuro,
um bom rendimento e ver o seu património valorizado; o inquilino, que, sem
encargos passava a viver numa casa restaurada; o município, que, sem precisar de mais
emprestar a “fundo perdido”, via, finalmente, o fim do problema e ter
uma nova fonte de receitas; finalmente, os lisboetas, que, sem mais impostos,
comissões e politicas, viam a sua cidade restaurada, limpa e desafogada!
Os centros históricos de
cidades, como Paris ou Londres, estão cheios de amansardados, que muito
valorizam e enriquecem a sua coerência urbana.
Passados alguns anos, em
Janeiro de 1995, li numa noticia no PÚBLICO que num congresso internacional de
reabilitação urbana, realizado em Lisboa, se propunha novamente, a posse
administrativa dos andares vagos e se pedia mais ajudas financeiras, a nível do
Governo e da União Europeia. O que me fez lembrar que a prática já demonstrara
que não seria com mais promessas, comissões ou posses administrativas que se
resolvia a degradação da cidade.
Se o Município não tinha
dinheiro para restaurar o seu próprio património, como arranjaria dinheiro para
restaurar os três mil fogos referidos na notícia?
Por isso foi com a maior
curiosidade que li que o recentemente eleito presidente da Câmara de Lisboa
pensava experimentar esta solução.
Como prontamente se deu
amplas noticias, ela poderá ter “efeitos perversos”, ser “um passo para a
destruição da arquitectura e estética dos bairros” e ajudar mesmo à “degradação
da cidade em termos visuais”.
Mas, meus senhores, estes
efeitos perversos é aquilo a que temos assistido nas últimas dezenas de anos,
com o apoio da pesada e burocrática censura camarária! Que honra lhe seja
feita, o ultimo presidente da câmara tentou minorar, mas não conseguiu
estancar.
Permita-me que se
experimente, pelo menos durante um ano. Pelo menos num bairro ou num quarteirão
ou, simplesmente, em meia dúzia de edifícios. Mas faça-se, construa-se e
reabilite-se alguma coisa, para depois podermos constatar “in loco” se vale a
pena continuar com a”política dos amansardados”!
Quando um projecto,
designadamente de “amansardados” – que respeite as regras definidas
superiormente – for aprovado, não em três anos, mas em três ou quatro meses,
como em Paris ou Nova Iorque, os “efeitos perversos”, o mau gosto, “o roxo e o
amarelo” desaparecerão, porque os técnicos passarão, a ser escolhidos pelas
suas capacidades profissionais e não por serem “despachados” nos labirintos
camarários.
Milhares de amansardados
surgirão, cheios de cor e de vida, na silhueta de uma cidade restaurada, em que
todos nos orgulharemos de viver, trabalhar e investir.
Publicação
no Jornal "PÚBLICO - Local",
12 de Fevereiro, 2002, pp.48