Reabilitar Lisboa será mesmo possível?




A derrocada de mais alguns prédios em Lisboa, alguns mesmo com inquilinos, faz-me recordar que há precisamente um ano, neste jornal, relembrei, com este título, uma proposta que apresentara em 1990 para reabilitação dos prédios antigos e degradados de Lisboa.


Constando que são precisos cerca de 70 a 60 milhões de contos para esta reabilitação e que estes milhões, embora ciclicamente prometidos, ainda não apareceram, nem parece que apareçam, continua a ter que se procurar, rapidamente, uma solução realista que não dependa de hipotéticas promessas.


Nesta proposta, o que se pretendia era conseguir um auto financiamento, através da criação de mais valia nos prédios a recuperar e assim criar motivação e interesse em todos os intervenientes, isto é, que os senhorios, inquilinos e os próprios governantes vejam que poderão tirar benefícios directos na forma de reabilitação proposta.


Assim, sugeria que a Câmara Municipal de Lisboa “autorizasse, como contrapartida dos senhorios restaurarem os seus prédios degradados e manterem os seus inquilinos, a transformarem os sótãos desses prédios em belos andares amansardados, para habitação”.


E exemplificava que um prédio normal, de 300 m2 de área de piso, com quatro pisos, o senhorio, após as obras de restauro e transformação do sótão para habitação, ainda conseguia uma mais valia superior a 20 por cento!

E todos saíam beneficiados – “O senhorio, que assim arranjava fundos para as obras, via o seu prédio recuperado e valorizados e arrecadava uma mais-valia de mais de 20 por cento. Os inquilinos, que, sem despesas (e passadas as dores de cabeça das obras), viveriam num prédio restaurado e em melhores condições de salubridade e limpeza. Finalmente, seria bom para a Câmara, que, sem mais despesas, via Lisboa rejuvenescer, Voltar a ter cor, alegria e a ter menos um problema, onde anualmente vai despendendo uns milhões de contos…”


Também seriam beneficiados os contribuintes em geral, a quem não se pediria mais um “pequeno” sacrifício para a “limpeza” da sua capital.


Como, passado mais um ano, vejo Lisboa a continuar a cair e, como previa, sem nunca mais chegarem os prometidos milhões de contos, aqui venho fazer um apelo público ao novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, dr. João Soares, que naturalmente, não tem culpa da “herança” que os seus antecessores lhe deixaram.


Experimente, teste esta proposta pelo menos, durante um ano. E, porque acredito sinceramente que esta poderia ser uma solução relativamente rápida e, pelo menos, parcial deste candente problema, ponho-me à disposição da Câmara Municipal de Lisboa para gratuitamente colaborar nesta experiencia.


Estudando-se caso a caso, prédio a prédio, rua a rua, para que, conjuntamente com os próprios senhorios e inquilinos, se realizem projectos, rapidamente exequíveis e motivadores para todos, sem nunca esquecer o valor patrimonial e urbano que esses prédios têm para a boa ou má qualidade do nosso dia-a-dia na cidade.


Como já disse em artigos anteriores, “os amansardados, quando projectados e construídos com qualidade e consciência, são muito procurados, valorizando mesmo a morfologia urbana em que se integram. Basta ver o que se passa em Madrid, Paris ou Londres. Dos espectáculos mais agradáveis em Paris, é subir à Torre Eiffel, ou ao último andar do Printemps, tendo a silhueta calma dos amansardados da cidade aos nossos pés.


Naturalmente, haverá casos em que a solução proposta não seja possível. Serão as excepções que confirmarão a regra e que seriam, esses sim, custeados pelo “dinheiro de todos nós”.


A minha motivação e interesse continua a ser o desejo de viver numa cidade rejuvenescida, mais limpa, alegre e segura.





Publicação no Jornal "PÚBLICO - Local", 12 de Janeiro, 1996, pp.59