Que fazer do Martim Moniz?









Com esta pergunta, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, abriu, no passado mês de Junho (1995), a exposição sobre os três “cenários” que a EPUL, em colaboração com o Departamento de Planeamento Estratégico da Câmara Municipal, realizou para o Martim Moniz, convidando-nos a participar no seu debate público, porque “afinal a Cidade é de todos nós”.

Porque, é do “coração” de Lisboa que se trata, é a nossa qualidade de vida que está em causa.

Mas antes, não posso deixar de louvar esta iniciativa camarária e da EPUL, de expor publicamente os “cenários” que estudaram para o Marim Moniz, para terem, em debate, a “participação da população”, antes de elaborarem o Plano Geral, como a lei, apenas, obriga.

No entanto, muito embora, como disse, se aplauda a iniciativa e se concorde totalmente com as intenções bem expressa pela Câmara e EPUL, designadamente com a sua “ideia forte” de “integração nas áreas envolventes”, através da “escala harmoniosa com o edificado das colinas” e na importância da “ligação ao centro da Cidade”, na verdade, que vejo nos desenhos expostos é proporem exactamente o contrário! – grandes quarteirões ou extensões excessivas de edifícios monocórdicos, coberturas em terraço, o carro com prioridade sobre o peão.

Isto é, quando se fala, tanto, nos edifícios recentemente construídos no Martim Moniz, como de verdadeiras “aberrações” (nem um se salva!) e quando se pensaria que se iria propor a sua total “camuflagem”, o que se vê, desenhando, é a sua estranha multiplicação.

Que se passará para que no Martim Moniz se assista à mesma incoerência, já constatada, há anos, para o Plano da Av. 24 Julho / Aterro da Boavista, elaborado sob os auspícios da Câmara?

Dir-me-ão, como noutras ocasiões, que não é assim, porque “o desenho proposto é uma mera indicação e não traduz o que há-de ser aplicado” e adiantar-me-ão que, “a responsabilidade quanto à qualidade dos novos edifícios cabe aos arquitectos que futuramente os projectem”.

Ao que, continuo a responder, agora, transcrevendo um parágrafo do meu colega, Arqto. José Lamas, sobre o POZOR, “A arquitectura não tem capacidade redentora se não for suportada por um adequado urbanismo”:

É que, ao proporem:

1- edifícios com dimensões e coberturas em terraço, que mais se assemelham às denunciadas “aberrações”, já construídas, e que nada têm a ver com o pretendido, casario histórico envolvente;

2- para a “optimização da fluidez do tráfego”, multiplicarem o atravessamento dos espaços públicos, pelos automóveis (e depois a culpa dos atropelamentos é do peão e de quem guia, porque não iam com atenção…”;

3- para um discutível “tamponamento a Sul”, desenharem edifícios que são autênticas barreiras de cimento a cortarem a desejada ligação estrutural do Martim Moniz à Baixa;

fica-se, no mínimo, perplexo e estupefacto.

Mas, então o que fazer, qual a solução, a alternativa?

Simplesmente, seguindo as ideias e preocupações bem expressas pela Câmara e pela EPUL, deixar, naturalmente, seguir o lápis e conversar com o sítio e a compreendê-lo, salientando as suas marcas, memórias e ex-libris locais. Isto é, tirando partido do sítio.

Assim, primeiro, sublinho, como pretendido pela Câmara e EPUL, há que marcar, bem, a desejada ligação Norte – Sul, o seu futuro enfiamento principal, ligação da “nova” Avenida Almirante Reis com o pombalino Centro Histórico da Cidade, através da “Praça” do Martim Moniz, tendo a Nascente, a Mouraria e o Castelo (não esquecer, que foi o berço do nosso país), e a Poente, a colina de Sant’Ana, pré-pombalina.

Depois, “camuflar” (mas, efectivamente!) as “aberrações” construídas, isto é, amortecer, fazer desaparecer o mais possível, os edifícios recentemente construídos, (que vergonha para a Câmara e para nós, arquitectos, hoje autorizarmos, projectarmos e construirmos estes exemplos!), através da construção confinante e, em paralelo, de edifícios de fácil e natural integração no casario histórico envolvente.

Para terminar, há que tirar partido, verdadeiramente, dos ex-libris, das “memórias”, do Martim Moniz – a Capela da Sr.ª da Saúde, a Mouraria, o Castelo, a Cerca Fernandina (aqui simbolicamente), enquadrando-os através duma “verdadeira” Praça.

“Verdadeira” por estar bem identificada e bem delimitada, por edifícios simples que respeitam os enfiamentos existentes e onde os automóveis apenas podem andar, em seu redor e pelo seu exterior, não incomodando assim a serenidade do sítio e quem passeia, vive, trabalha ou contempla o Martim Moniz, a Mouraria e o Castelo.

E as coberturas destes edifícios, naturalmente serão inclinadas e cobertas a telha, talvez mesmo, aproveitando-se o seu declive, fazer belos amansardados, como vemos e invejamos, estendidos, pelas colinas envolventes.
 
Não estão em causa, mais ou menos metros quadrados de construção, dos que a Câmara pretende construir nestes locais. Proponho exactamente os mesmos.

Não sou fundamentalista, nem especulador de terrenos.

É tudo uma questão da forma, como se abordam os assuntos, de desenho urbano, de se estar no mundo, de coerência com aquilo que se diz, se escreve, em resumo, de respeito pelos outros, que dizemos pretender servir.

Como já tive oportunidade de escrever, a nós, lisboetas comuns, que moramos e trabalhamos em Lisboa, e que nada percebemos de “fade-outs”, “rendibilidades” e “espraiamentos em delta”, o que pretendemos simplesmente é ver o Martim Moniz, como outras zonas em “recuperação”, à escala da Cidade, isto é, à nossa dimensão, para que seja um lugar onde todos nós nos sintamos bem, “onde apeteça viver, trabalhar e investir”.

Como nota final, que fique bem claro, que respeito pela Cidade e pelas suas Memórias, não poderá significar que “vamos imitar o antigo”.

É esse o repto que faço a nós, arquitectos.

Sem complexos de originalidade ou complexidades, que projectemos actual, de formas simples, tirando partido do verdadeiro progresso, das novas tecnologias e materiais, mas sempre, sempre respeitando a Cidade, a sua escala humana, a sua população.

Como dizia Mega Ferreira, há anos no semanário “Expresso”: “Architectes étonnez-nous!”

Os beneficiados seremos nós.


Augusto Vasco Costa, arquitecto

Junho 1995